segunda-feira, 1 de maio de 2023

Paulo realmente disse que as mulheres devem ficar caladas nas igrejas?
Que as mulheres se conservem caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas, como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, perguntem em casa ao seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja.” (1 Coríntios 14:34,35 NAA) Uma passagem bíblica muito difícil de digerir, não é mesmo?! Principalmente diante do crescente número de mulheres pastoras no século 21. Então, será que Paulo estava sendo machista e autoritário ao dizer que as mulheres devem ficar caladas nas “igrejas”? E se é assim, por que este ensinamento não é seguido hoje em dia? É o que vamos tentar desmistificar neste estudo bíblico, cuja resposta certamente te surpreenderá! Será que Paulo realmente ordena que as mulheres devem ficar caladas nas “igrejas”? A princípio, para o bom observador do texto bíblico, o suposto ensinamento de Paulo em 1 Coríntios 14:34,35 é contraditório, pois nesta mesma carta, no capítulo 11 versículo 5, ele dá orientações a respeito das mulheres que oram e profetizam, e profetizar é pregar a palavra de Deus (cf. 1 Cor 14:3). Da mesma forma, no livro dos atos são descritas mulheres (filhas de Filipe) que também profetizavam (Atos 21:9). Ora, isso só pode ser feito diante de uma congregação de irmãos. Portanto, precisamos pesquisar essa questão mais à fundo para saber o que realmente estava acontecendo que (supostamente) levou Paulo a mandar que as mulheres devem ficar caladas nas “igrejas”. Em primeiro lugar, ao ler o contexto imediato do capítulo 14 de 1ª Coríntios, percebemos que estava acontecendo uma desordem no culto daqueles irmãos, de modo que cada um estava se impondo ao outro. As mulheres deveriam estar abusando de sua autoridade e com isso causando brigas, basta ler no versículo 36. "Por acaso a palavra de Deus se originou no meio de vocês? Ou será que ela veio exclusivamente para vocês?"(1 Coríntios 14:36 NAA) Pela simples observação deste versículo vemos que estavam acontecendo brigas por disputa de “autoridade” nos cultos, talvez das mulheres para com os homens ou dentre elas mesmas. Podemos dizer que elas queriam “dominar o pedaço”. No entanto, desorganizações e disputas deveriam estar acontecendo entre os homens também, vide vs. 29-33. Em contraste a isso, vemos um exemplo de organização no culto em Atos 13:15, onde uns esperavam pelos outros falar na sinagoga. Talvez isso já seria o suficiente para responder nossa questão. Porém, a problemática sobre se as mulheres devem ficar caladas nas “igrejas” (em todas elas) ou não, vai um pouco mais a fundo. Vamos recordar o texto em outra tradução bíblica. “permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão, como diz a lei. Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem a seus maridos em casa; pois é vergonhoso uma mulher falar na igreja.” (1 Coríntios 14:34,35 NVI) Parece que todas as traduções mais populares concordam nisso. Outros exemplos são ACF, ARA, KJA, BKJ Fiel, NTLH, TNM, etc. Além do evidente machismo, há duas coisas que não concordam aqui com o restante das Escrituras Sagradas. A primeira é que a Torá nunca ordenou que as mulheres ficassem caladas. Mas é dito sim a respeito da submissão das mesmas, vide Gên. 3:16 e 1 Pe 3:5,6, por exemplo. A segunda é o desencorajar as mulheres a quererem aprender da Palavra nos ajuntamentos de irmãos (congregações), tendo em vista que o próprio Paulo as ensinava ao se reunirem, veja Atos 16:11-14. Então, como resolver essa controvérsia que é unânime em quase todas as traduções bíblicas que conhecemos atualmente? As mulheres realmente devem ficar caladas nas “igrejas”? A resposta definitiva está no texto bíblico em aramaico! Eu disse que a resposta para essa questão iria te surpreender, caso você nunca tenha ouvido falar no texto bíblico em aramaico. O aramaico era o idioma no qual o Senhor pregou sua mensagem. Era também o idioma com o qual se comunicava a população judaica de Jerusalém e da Galileia (pelo menos) no 1º século de nossa era. Dele testemunha Flávio Josefo (Yosef ben Matitiyahu), o maior historiador dos eventos judaico-romanos da época de Jesus e dos apóstolos, chamando-o de “a nossa língua” ou “a língua de nossa nação” (cf. Prefácio de Flávio Josefo em História dos Hebreus, CPAD. Também no capítulo 1 e outros). Os seus escritos estão cheios de louvores a uns e censuras a outros, sem qualquer preocupação com a verdade. Foi isso o que me fez decidir escrever em grego, para satisfação daqueles que estão sujeitos ao Império Romano e para informar as outras nações, o que escrevi há pouco em minha língua. Trecho do prefácio de Flávio Josefo na obra História dos Hebreus. CPAD. Edição do Kindle. O mais incrível de se imaginar é que nós temos um texto bíblico escrito em aramaico (dentre muitos outros textos). Este é tão antigo quanto o texto grego, embora difundido em menor proporção. Não obstante a isso, e infelizmente, o texto é ignorado por quase totalidade dos teólogos cristãos. No entanto, será que o texto aramaico então tem algo a nos ensinar em 1 Coríntios 14:34,35, se as mulheres devem ficar caladas nas “igrejas” ou não? Papiro Peshitta - texto bíblico em aramaico - do século IX EC Papiro Peshitta – texto bíblico em aramaico – do século IX EC. Sim! O texto bíblico em aramaico tem muito a nos ensinar! A começar pelo fato de que reconhecê-lo já nos faz mudar muito da nossa percepção dos eventos bíblicos dos tempos do Senhor e de seus discípulos (“novo testamento”). Pois, como podemos ver claramente no capítulo 10, versículos 1 e 18 de 1 Coríntios, por exemplo, Paulo ainda está se dirigindo aqui a uma comunidade israelita, e portanto que viviam de acordo com os padrões da Torá. Por isso, não podemos julgar os ensinamentos deste emissário (apóstolo), tendo em mente só o contexto de culto e liturgia em que se vive hoje nas igrejas cristãs. Antes, precisamos voltar no tempo e entender o contexto em que eles viviam, pois até hoje as comunidades judaicas priorizam o uso do hebraico e do aramaico em seus cultos, canções e orações, em qualquer país que estejam, pois eles são preservadores da doutrina divina como ela é (cf. Dt 33:4; Rm 9:4). Naturalmente, não era diferente no passado. Portanto, depois de entendido isso, poderemos extrair ensinamentos aplicáveis para a nossa geração. Logo, poderia o texto grego de 1 Coríntios 14:34,35 estar fazendo alguma leitura equivocada do aramaico? manuscritos em grego e hebraico Ao se dirigir a uma comunidade israelita, não deveria ser espanto imaginar que Paulo (original Shaul) escreveu originalmente em aramaico. Posteriormente, porém, seu texto foi traduzido para o grego a fim de alcançar os demais discípulos de fala grega, que estavam se aproximando da fé natural judaica/israelita, bem como fez Flávio Josefo com sua obra, a qual lemos um trecho acima. A própria carta grega aos Coríntios carrega em si uma expressão aramaica, que é “maranata“, vide 1 Cor. 16:22, bem como algumas outras (cf. Rm 8:16; Gl 4:6). Assim sendo, analisando cuidadosamente o texto original aramaico de 1 Coríntios 14:34,35, percebemos que o problema encontra-se na tradução grega de algumas expressões aramaicas. O tradutor grego talvez tenha se equivocado por desconhecer a cultura semita. A primeira delas é “shatiycan“, traduzida pelo grego como “sigaó” (σιγάω), que neste significa “manter silêncio”. O problema é que “shatiycan” não significa meramente calar-se, mas também carrega em si a ideia de acalmar-se, em contraste a um comportamento de criar alardes, demonstrar desespero, arrogância, etc. (Fonte: The Comprehensive Aramaic Lexicon ©). As situações em Gênesis 24:21, 34:5 e Salmo 50:3 são exemplos disso. Veja que em todos os casos não são dadas ordens para alguém se calar, privando-se do seu direito de aprender, interrogar ou mesmo ensinar, mas todos descrevem comportamentos de se acalmar com o silêncio mediante alguma situação. O Salmo citado mostra o silêncio em contraste com um comportamento tempestuoso. Só por este caso já podemos encaixar melhor a situação dentro de seu devido contexto. Pois como abordamos anteriormente, deduzindo pelos versículos 31-33 e 36 de 1 Coríntios 14, percebemos que o problema eram as brigas por posição e proeminência nas reuniões. Portanto, diante disso, as mulheres deveriam acalmar-se nas reuniões e não calarem-se definitivamente em todas elas. A segunda é “d’anmalan”, uma expressão do aramaico bíblico que em 1 Coríntios 14:34 foi traduzida pelo grego como “laleo”, isto é, “falar”. 1 Coríntios 14,34 no original grego e interlinear português com foco na palavra "laleo" que significa "falar". A expressão aramaica, porém, neste caso, é melhor compreendida como “falar exaltadamente”, pois aparece várias vezes dessa forma no texto bíblico. No texto hebraico, d’anmalan é representada muitas vezes pela palavra “melal“, como em Daniel 7:8, 11, 20 e 25, onde em todos os casos refere-se a falar com insultos ou arrogância (cf. Léxico Hebraico e Aramaico, por William L. Holladays, pág. 594 e The Comprehensive Aramaic Lexicon ©). Os Salmos 2:5 e 12:3 também são típicos exemplos. Portanto, as mulheres em Corinto, como já vimos que sugere o próprio contexto, estavam tendo um “bate-boca”. Ou seja, elas não estavam falando ou indagando normalmente, mas com arrogância, brigas e desentendimentos. A terceira situação está na expressão “d’shalan le‘bayelaehin“, do v. 35, que pode significar “perguntar ao marido”, mas também, de modo interpretativo, “ter paz com o marido”. Tendo em vista que “shalan” também significa “abster-se de, evitar, passar em silêncio” (cf. The Comprehensive Aramaic Lexicon). Portanto, a julgar pelo contexto da situação que acontecia naquelas reuniões, as mulheres deveriam abster-se de brigas com os maridos, manter o silêncio quando alguma questão for causar confusão e resolver depois em particular com o marido, em casa. Por fim, temos a expressão “d’nialpan” que pode ser traduzida como “aprender” ou “ensinar”. No grego, porém, este vocábulo aramaico foi traduzido pela palavra “manthano” (μανθανω), que significa somente “aprender”, e isso naturalmente é refletido nas traduções em português. 1 Coríntios 14:35 interlinear grego português com foco na palavra manthano, aprender Fonte: Dicionário Bíblico Strong (G3129), pág. 1497. Dessa forma, em 1 Coríntios 14:35, tais traduções reduzem o aprendizado da mulher somente ao lar, e isso não é bem um conceito defendido por Deus nas Sagradas Escrituras, que mostram as mulheres aprendendo juntamente com toda a comunidade em seus ajuntamentos, como em Neemias 8:1-3,8 (cf. Êx 38:8; Dt 31:11,12; Jos. 8:34,35). Portanto, se devolvermos o texto de Paulo para o seu devido contexto através do uso do segundo idioma sagrado das Escrituras, podemos traduzir “d’nialpan” como “ensinar”, Portanto, se devolvermos o texto de Paulo para o seu devido contexto através do uso do segundo idioma sagrado das Escrituras, podemos traduzir “d’nialpan” como “ensinar”, pois as mulheres certamente também tinham participação no ensino das Escrituras, cf. Deut. 6:6-9. Por isso, em 1 Coríntios 14:35 teríamos Paulo dizendo para aquelas mulheres algo como: Se querem ensinar alguma coisa, tende paz. Ou seja, ninguém consegue ensinar nada brigando. Essa tradução e entendimento é muito mais razoável para o contexto abordado, pois o versículo 33 fala exatamente disso: “Porque Deus não é de confusão, senão de paz, como em todas as [demais] congregações dos santos.” Em suma, vemos que a leitura aramaica fica mais coerente aqui, pois infelizmente a tradução grega dessa carta de Paulo, neste trecho, torna-se responsável por uma confusão e por algumas das piores atitudes machistas nas congregações. Finalmente, a tradução de 1 Coríntios 14:34,35 a partir do texto aramaico pode ser assim: "porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz, como em todas as congregações dos santos. Mulheres, fiquem calmas na congregação. Não é, portanto, permitido brigar, conforme afirma a Torá (Lei). Se desejarem ensinar algo em vossos lares, tende paz com vossos maridos. Vergonhosa é para a congregação a briga." Vergonhosa é a briga, e não a mulher que anseia por aprender da Palavra.