sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

A eleição acabou, mas a inquisição não: o contrassenso batista Por Sérgio Dusilek Proliferam os relatos no meio evangélico de expurgo de lideranças que se posicionaram contra o projeto de poder bolsonarista, esse combo de política & religião que assombrou o Brasil nesses últimos quatro anos. Bem verdade é que a perseguição começou em 2016, como mostra a tese defendida no início de 2022, no PPG em História Social da USP, de Natanael Francisco de Souza, intitulada: Diálogos Evangélicos: teologias do Sul e liturgias de ministros do Ministério de Cristo. Todavia, ela se intensificou, especialmente nos grupos históricos do protestantismo, a partir de 2018, notadamente (e elenco aqui como exemplo), nos batistas da Convenção Batista Brasileira. O absurdo desta situação não se refere somente ao abandono do espírito do Evangelho, do ensino de Jesus de Nazaré. Ele alcança a gênese da tradição batista cujo surgimento no início do século XVII se deu justamente pela defesa de uma tríplice liberdade: de consciência, de expressão e de separação entre Igreja e Estado. Fruto da perseguição religiosa que ocorria na Inglaterra anglicana, tendo inclusive um de seus primeiros membros (Thomas Helwis) morrido na prisão, o movimento batista nasceu como contestação a qualquer pensamento dominante e impositivo, especialmente de verniz religioso. Por isso o contrassenso da atual liderança batista ao perseguir seus pares estabelece um paradoxo: da celebração da liberdade, da autonomia do indivíduo, passa-se para a inquisição, para a busca dos hereges. Só que a “verdade da heresia”, como bem nos lembra Rubem Alves, é que ela, invariavelmente, pertence aos derrotados. Heresia é a história não contada, tendo em vista que a versão oficial é restrita, sendo assim escrita pelos vitoriosos. Heresia, então, tem menos a ver com verdade e mais a ver com a política, com o poder. Não por outro motivo o cancelamento de líderes se dê por perseguição política, e não por questões teológicas, doutrinárias. O que há em comum a todas as lideranças incineradas recentemente? Todas elas são adeptas ou abertas ao progressismo político. Por esta razão, as questões teológico-doutrinárias são usadas como cortina de fumaça para acobertar a perseguição daqueles que defendem ideais democráticos em toda sua extensão. Justamente o grupo religioso histórico que se vangloria pela defesa da democracia, que pode ser vista nas suas assembleias administrativas, persegue aqueles que se posicionam contra a postulação da vigência do Estado Democrático de Direito. Aonde quero chegar com tudo isto? Simples: sustento que o desligamento do Pr. Ed René Kivitz da OPBB/SP não se deu por questões teológicas, mas por seu posicionamento político, assim como o distrato do contrato de trabalho com o Pr. Edvar Gimenes de Oliveira (ele foi mencionado por Mônica Bergamo em sua coluna na Folha de São Paulo no dia 15/09/2022) que até duas semanas atrás era o Secretário Geral da Convenção Batista de Pernambuco. A exposição do pastor Usiel Carneiro (ES), cujo “concílio acusatório” se recusou a nomear, na ata que contém suas deliberações, as acusações as quais foram impingidas ao nobre colega. O expurgo de professores dos chamados Seminários Maiores da Convenção Batista Brasileira (CBB) refletem esse caráter inquisitório. Tanto os de agora (lembro de casos do Seminário Teológico Batista Equatorial – STBE - em Belém), como os do passado recente. Nunca, guarde bem isso, foi pelo chamado liberalismo teológico, e sim pela pura perseguição política. Quando, na década de 80, professores do Seminário Teológico Batista do Sul (STBSB) foram perseguidos, os docentes alvejados eram apoiadores de Lysâneas Maciel e Leonel Brizola, candidatos da esquerda, à época, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Incluo nesse processo, com a devida licença do leitor, meu próprio caso. A violação institucional e do regramento cooperativo a que a Convenção Batista Carioca foi submetida por ocasião da minha inédita, pessoal e intransferível manifestação de apoio à candidatura do Presidente Lula em Setembro último, bem como a impostura da exposição virulenta, violenta e desnecessária que me foi imposta, revelam o caráter político da perseguição sofrida. Os batistas que historicamente, segundo Ernst Troeltsch, sempre estiveram ligados a pautas mais progressistas, ao serem inoculados pelo mortal vírus do fundamentalismo, passaram a desrespeitar o seu caráter plural, marca do seu DNA denominacional. Por definição, uma convenção que se denomina batista não pode ser predicada. Se a convenção batista for conservadora, ou fundamentalista, ou comunista, ela deixa de ser originaria e autenticamente batista. Em suma, à convenção batista, não cabem predicados; ela é e ponto. Batistas se fazem com conectivos. Por esta razão deveriam ser um mosaico de tendências, pensamentos. Lembro também dos inúmeros casos de pastores e líderes batistas que foram expurgados ou convidados a se retirarem de suas congregações por perseguição ideológica. Líderes dedicados, de boa-índole, irrepreensíveis, cuja vida íntegra teve pouco peso na balança cujo contrapeso foi o próprio Bolsonaro... Ora, tal postura de cancelamento e perseguição é marca do ideário de extrema-direita, quiçá fascista, que não admite a convivência, tampouco a existência do divergente. Com ele vem a ausência de compaixão, o desprezo pela família do perseguido, as acusações levianas, a desconsideração pelo histórico de vida e também denominacional, entre outros vilipêndios. Para quem tinha esperança de que a eleição de Lula aplacaria esse momento religioso, trago Bad News. O fogo da inquisição continua bem alto. Uma fornalha de fazer inveja aos piores momentos do romanismo católico no medievo. Tudo em nome de um projeto político e de um fundamentalismo que são, por definição, estranhos à fé cristã e ao próprio ethosbatista. Lamentável. *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é pastor batista e doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG) Copyright © 2023 Observatório Evangélico – Todos os direitos reservados. Seja a mudança que vc deseja ver no mundo.

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