segunda-feira, 16 de março de 2015



Ditadores e torturadores atrás das grades

A Justiça Penal de Transição assim como a Internacional, em vários lugares do planeta, vem se mobilizando em torno da prestação de contas que são devidas pelos ditadores e torturadores em razão de horripilantes violações dos direitos humanos.
Podemos dividir o tema em duas partes:
A) Nosso entorno cultural – três casos fundamentais:
1) CASO PINOCHET – CHILE - 1996 – Por iniciativa dos promotores progressistas da Espanha, contra o terrorismo e o genocídio cometidos contra espanhóis durante o regime militar de Pinochet, o então juiz Baltazar Garzón, em 16.10.98, decretou a sua prisão preventiva, que foi executada pela Inglaterra. A High Court reconheceu sua imunidade, mas a Câmara dos Lordes a afastou, dando início ao processo de extradição, que foi interrompido em razão da precária saúde do general, que voltou para o Chile e morreu sem ser julgado. Dezenas de processos foram instaurados contra outros militares, que contribuíram para as torturas da ditadura. Muitos se encontram presos, cumprindo pena por esses crimes contra a humanidade.
2) CASO ‘BARRIOS ALTOS’ (PERU). No dia 03.11.91 ocorreu o massacre de 15 jovens pela polícia de Fugimori. O Congresso começou a investigar os fatos e então deu-se o “autogolpe” do ditador Fugimori, que fechou Congresso, fazendo aprovar a “autoanistia” em 1995. No ano 2000 o Congresso revogou essa aberrante anistia. No di8a 04.03.01 a CIDH condenou o Peru, no caso Barrios Altos, invalidando as leis de anistia e acentuando que os crimes contra a humanidade não prescrevem; tampouco valem os subterfúgios similares que isentam a responsabilidade dos agentes estatais autores de graves violações de direitos humanos.
3) CASO SIMON (ARGENTINA) – O general Videla estabeleceu o procedimento a ser seguido durante a ditadura militar argentina: desaparecimento dos corpos, “roubo” das crianças etc. (ele mesmo confessou tudo isso para o jornalista Reato). Houve também “autoanistia”, que foi invalidada pelo governo Alfonsín. Começaram os julgamentos contra os militares, mas duas leis foram aprovadas: lei do ponto final e lei da obediência devida. Menen chegou a conceder indulto para os ditadores e torturados. A Corte Suprema da Nação, no Caso Simón, contrariando caso anterior (Camps), invalidou definitivamente tais leis, que o Congresso já tinha revogado (em 1998). Resultado: mais de 500 julgamentos mais de mil condenados, sendo certo que centenas de militares estão na cadeia, cumprindo penas pelos crimes contra a humanidade. No dia 12.03.13 ocorreu mais uma decisão histórica: o último ditador da Argentina, Reynaldo Bignone, de 85 anos, juntamente com outros militares, foram condenados à prisão perpétua, como responsáveis por sequestros, torturas e desaparecimento de pessoas. No Campo de Mayo cerca de 4 mil opositores foram assassinados. Os militares responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura argentina (1976-1983) ou já morreram ou estão atrás das grades.
B) NO PLANO GLOBAL: o Tribunal Penal Internacional nasceu em 2002 (por força do Estatuto de Roma). Em 10 anos, julgou o primeiro caso em 2012, tendo condenado Thomaz Lubanga, do Congo. Charles Taylor, da Libéria, foi condenado por um Tribunal Especial da ONU; essa foi a primeira condenação de um ex-chefe de Estado. O TPI já mandou prender o Presidente do Sudão (Omar El Bashir). Slobodan Milosevid morreu durante interrogatório, Kadzic e Mladic estão sendo processados pelo TPI; o ex-presidente da Costa do Mardim, Laurent Gbagbo, está preso em presídio de responsabilidade do TPI; o filho de Kadafi está sendo processado na Corte e Kieu Samphan (Camboja) está sendo julgado; Hissène Habré, do Chade, está preso e vai ser julgado por um tribunal africano.
E no Brasil?
No Brasil os crimes contra a humanidade continuam desfrutando da mais absoluta impunidade, tendo a conivência do STF assim como de outros magistrados. É o desconhecimento do ou o desrespeito ao direito internacional e supranacional que explica a decisao do STF, de abril de 2010, de validação da lei de anistia, de 1979, dos crimes contra a humanidade, cometidos durante o período da ditadura militar (1964-1985).
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (desde o caso Barrios Altos) não admite nenhum valor jurídico para as chamadas “autoanistias” (ou seja: anistias em relação aos crimes contra a humanidade concedidas por leis editadas enquanto o regime ditatorial continua no poder – esse é o caso da lei brasileira).
Logo depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (validando a lei de anistia), a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 24.11.10, julgou o “Caso Araguaia” e determinou ao Brasil a investigação dos crimes cometidos durante o período militar, enfatizando que são contra a humanidade e, portanto, imprescritíveis (em razão do direito supranacional).
Duas iniciativas já estão ocorrendo:
(a) em 2012 instalou-se (finalmente) nossa Comissão da Verdade (fundada no direito à verdade, à memória e à justiça), que está apurando as violações de direitos de 1946 a 1985. É composta de sete membros, mas não possui poderes jurisdicionais nem sancionatórios;
(b) alguns procuradores da República estão oferecendo denúncias por tais crimes, mas praticamente todas, até o momento, foram rejeitadas. O desrespeito ao direito internacional, nesse caso, está mais do que evidente.
É óbvia a falta de sintonia entre o direito que praticamos internamente e o direito vigente no plano internacional e universal. O “dever ser” está muito mais avançado em relação ao “ser”. Só o conhecimento do primeiro poderia com segurança suprir as deficiências e antinomias do segundo.


Luiz Flávio Gomes
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

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